Juro, me trataram muito bem! O cativeiro não sei bem o que era ou como era. Não sei sequer como conseguiram acertar, mas era tudo muito familiar. Era uma sala ampla a perder de vista.
Havia duas televisões onde só passavam os filmes que eu já tinha visto e, como protagonista, sempre o mesmo ator, que também era demasiado familiar.
Frente a frente, uma a minha esquerda e outra a minha direita, duas caixas de som nas quais ora reproduziam-se os sons dos filmes exibidos nas televisões, ora reproduziam vozes pronunciando frases desconexas de sentido. Eram, porém, sons também familiares como a voz dos meus pais, de alguns amigos e o mais assustador, por vezes jurava escutar minha própria voz...
Olhando todo aquele amplo espaço em volta de mim descobri uma porta entre-aberta. Hesitante em ser repreendido por meus sequestradores caminhei timidamente até a porta. Eram uma luz forte e um som embaralhado como pássaros ao cair da tarde que quanto mais próximo da porta mais forte ficava. Amedrontado, recuei! Os sequestradores podiam entrar na sala a quaquer momento e a situação piorar para mim. Fiquei com a televisão.
A curiosidade maior que tudo me fez ver uma criança botando a cabeça pra fora da porta e me observando. Quando mirei a porta a criança recolheu-se rapidamente.
Não resisti mais. As imagens não me atraíam mais que a curiosidade de descobrir o que havia por trás da porta. Me levantei da confortável poltrona onde sentado assistia às televisões e tentei correr. Notei que cada vez que me distanciava da poltrona meus pés pareciam estar mais fortemente colados ao chão. Ainda assim cheguei até a porta.
O som de pássaros que ouvi na verdade eram as vozes da imensa quantidade de crianças que estavam além da porta correndo sem parar de um lado a outro. Estavam todas em vestes brancas e tinham a mostra apenas a face.
Quando passavam muito perto de mim notei que cada uma falava repetidamente a mesma coisa. Umas contavam pequenas histórias, outras apenas repetiam a mesma palavra ou, simplesmente, emitiam sons.
Fui tomado pelo entusiasmo de ver tantas crianças ao mesmo tempo correndo para todos os lados como se estivessem dentro de um liquidificador e não me dei conta que deixei a porta escancarada ao adentrar neste ambiente pueril. Olhando para trás vi que muitas crianças fugiam para o ambiente de onde eu tinha saído, meu cativeiro. Corri para lá, de onde eu talvez nem devesse ter saído e fechei a porta.
No meu espaço vi que as crianças ainda corriam e pronunciavam, cada uma, seus repetitivos dizeres. Ao me virem pediram que eu falasse numa espécie de microfone, que estava perto das televisões, o que elas diziam. Temendo que aquela bagunça toda chamasse a atenção de alguém propus que falaria o que cada uma quisesse, mas que depois disso elas teriam que voltar para o lugar de onde vieram.
Proposta aceita pus-me a pronunciar o que me sopravam ao ouvido. A primeira criança me fez falar trem de estrelas. A segunda me pediu que repetisse "Já pensou se pudéssemos voar com asas de papel?", a terceira me pediu...
E assim seguiu-se. Ao pronunciar o que me pedia, cada criança voltava para o lugar de onde fugira. Uma a uma as crianças foram voltando.
Era bastante cansativo repetir tudo aquilo ao microfone. Cansativo ao ponto de cair adormecido. Acordei aos sustos com alguém me sacudindo e dizendo: Tá falando só, garoto?
Era minha mãe! Como ela tinha ido até o cativeiro? - pensei!
Não, não era mais o cativeiro! Estranhamente, estava em casa. Era minha cama, meu quarto e minha mãe!
Perguntei se ela tinha pago o resgate. Ela se virou e, saindo do quarto, respondeu que não sabia se eu falava mais bobagens dormindo ou acordado.